Quarta-feira, Julho 30, 2008

Coisas da Vida #7

Lembrança

Eu encontrei a carta que ela escreveu e fiquei triste de dor ao me colocar em seu lugar e entender o vazio enorme que vem da presença dele, tão forte e, ainda assim, inexistente.

"Foi lindo imaginar o dia que você entrou no meu carro e fomos para aquele lago, onde pela primeira vez consegui olhar nos seus olhos e manter os meus ali até me enxergar dentro deles. Ainda posso sentir o resto do vinho no gosto da sua boca. Foi lindo dormir com você ao meu lado, sentir suas mãos, saber de manhã que o seu beijo me acordaria e depois de novo, e de novo, para me mostrar que estou viva. Ainda sinto o frio do lago subindo pelas minhas pernas e o toque do cobertor aquecendo os ombros, enquanto olhávamos as estrelas se despedirem da noite. Ainda tenho seus cabelos entre os dedos, o seu cheiro na minha pele, o calor do seu peito no meu rosto.
E depois, depois de anos, ao ver você de novo, seu perfume, seus olhos, seu jeito incrível, seus gestos, tudo...cada movimento seu me fez sorrir por dentro: as pernas dobradas, o pé no banco do carro, a blusa tirada pela cabeça despenteando o cabelo, o sorriso, os braços, a pele, as mãos...Ah! as suas mãos...e os olhos negros que eu amo...
os olhos negros que eu amo...
os olhos negros que eu amo e não sei encarar.
Mas foi lindo imaginar que eu entraria no seu carro e olharia dentro deles outra vez até me enxergar ali, e você me beijaria. O seu perfume colando outra vez nas minhas mãos...o seu sorriso falando baixo, quase dentro da minha boca, e o seu gosto em mim mais uma vez. A conversa deliciosa, a sua voz, o seu sotaque forte, o lençol bem passado com cheiro de ferro quente, sua pele quente, sua saliva quente, seu suor quente, seu calor...e eu. Nossas pernas se confundindo de novo, o ar da sua boca em meus ouvidos, sua boca no meu corpo, o seu corpo em mim... E agora, depois de tantos anos, eu não sei mais o que é verdade e o que sonhei. Eu tenho seu cheiro aqui, eu sei, eu sinto! Eu sinto o seu gosto, sim! Eu vejo seus olhos que eu amo e eles são negros, como é negro o vazio da incerteza. Eu não quero saber. Não quero que me contem. Me dá sua mão...me deixa ouvir a sua voz...posso deitar no seu peito?...canta de novo pra mim?...me diz que é tudo verdade. Não quero saber que cada segundo das minhas lembranças é só um fragmento do meu delírio.
Traz os seus olhos pra mim..."



Bom dia.

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Quarta-feira, Junho 11, 2008

Coisas da Vida #6


Era muito óbvio que ela não era normal. Tinha um par de olhos brilhantes que, na verdade, brilhavam muito mais do deviam e isso, logicamente, não podia ser normal. Pessoas são felizes, mas são felizes dentro de um limite concebível e não tão descontroladamente que possam andar por aí com os olhos brilhando em todas as ocasiões, como se fosse uma roupa, um brinco, um par de sapatos. Até mesmo um par de sapatos tem a ocasião certa para ser usado.

E de onde então poderia vir aquele brilho? Pois pasmem...dos olhos. Sim, dos próprios olhos e de sua habilidade de enxergar o mundo de uma forma que só ela enxergava. O mundo? Vamos falar a verdade: os habitantes do mundo! Nunca, um só dia da longa existência que lhe foi dada, ela manteve os olhos fixos em uma pessoa só. Nem mesmo no maior amor de sua vida. Seus olhos sempre buscaram outras paisagens, outros olhos, outros corpos para desejar, outras bocas para sonhar. E era esse o brilho aviltante, ultrajante, revoltante, que ela tinha no olhar.

Seus alvos não eram escolhidos com um critério. "Éramos olharmo-nos intacta retina" ... e pronto. Era juntar olhar com olhar, e dependendo de como aqueles olhos brilhavam, a escolha estava feita. O estranho é que nenhuma palavra era dita; nenhum gesto mais óbvio; era aquele olhar e fim, como se impressões digitais se encaixassem, num episódio de CSI. "Você é meu alvo", "Eu quero ser". E dali começava um jogo de sedução nem sempre bem sucedido, mas que sempre alimentou o brilho ousado daqueles olhos incríveis.

Foi assim que ele foi escolhido. Ah, mas como ela quis que tivesse sido ao contrário... Pela primeira vez, ela quis ser a presa hipnotizada, fascinada pelo olhar do predador. Predador menino aquele, que aparentemente não oferecia risco, mas exalava perigo pelos poros da pele morena que cobria o corpo perfeito.
Ali estava ele, exposto sem saber, como a promessa de sonho longo e de castigo cruel. Desejo que não brilha, mas lateja. Uma história sem fim e sem meio, mas cheia de palavras de intenção duvidosa. The ultimate conquer! O mais flamejante dos troféus. Mas não aconteceu. Ela perdeu a batalha, acabou desistindo, seus olhos encontraram outro alvo e fim.

Passaram-se os anos, nem mais uma palavra sobre o troféu flamejante, mas alguns alvos são eternos, ou se invertem, ou a vida gosta mesmo de brincar com as pessoas.
E lá vem ele de novo, com seus poros todos, exibindo no olhar um brilho maior do que o dela.
Já não era mais menino...já tinha outro modo de olhar. E foi assim que ela foi a presa. e ele, o predador. Ela o troféu. Ele o vencedor.
Alguns desejos nunca se vão. Eles só ficam guardados para o dia certo, para a hora exata que chegou.
Ela tinha um par de olhos brilhantes que, na verdade, brilhavam muito mais do deviam. Agora mais.



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Segunda-feira, Agosto 20, 2007

Coisas da Vida #3

A Noite das Conversas Infinitas

Nossa...há quanto tempo ela não ia àquelas festas?
Eram eventos profissionais tão chatos, mas ela conseguia fezer deles sempre um prazer. Ela sempre navegou entre a vida pessoal e a profissional com tranquilidade, misturando as duas, por isso, qualquer festa chata era uma desculpa para reencontrar amigos e dar risada.

Naquela noite, ela estava um pouco triste. A pessoa que ela queria encontrar já havia avisado que estaria acompanhado, o que a irritou profundamente. Por isso, quase deixou de ir à festa, quase cobriu a cabeça com um cobertor e deixou que Morfeu a guiasse até algum lugar melhor. Que nada! Não era assim tão fácil derrubar essa mulher. Ao contrário, tomou um banho de pétalas de rosas, se perfumou e foi encontrar os amigos e ostentar maldosamente sua beleza em frente ao “bofe acompanhado”. Muito bem.

Atrasada como sempre, fez com que muitos olhos do salão se voltassem em sua direção quando o primeiro amigo a viu. Lógico, era sempre um escândalo! Ela é sempre festejada. Assim, atravessou os 30 metros de salão – da porta ao fundo – sendo abraçada e parando a cada passo para falar com alguém. Até o fundo. Até ele.

Ele. Vamos falar dele: Ele era só uma presença constante em salas de reunião. Nunca houve uma conversa mais pessoal, um assunto mais íntimo, nada. Logicamente ela estava muito longe de estar morta ou cega, então já havia notado o quanto ele era interessante. Mas de qualquer forma, era distante a hipótese, e até mesmo a vontade de chegar mais perto.
Estranho…As vezes parece que alguém sempre esteve lá, mas você meio se negava a ver. Um dia, como se o universo decidisse que basta desta sua cegueira estúpida, sinais divinos de neon escandalosos piscantes apontam para a pessoa dizendo: “olha pra cá, sua monga!”
Que saída? Ela teve que olhar.

Parou e deu um "oi" de quem não vê alguém há muito tempo (claro…nunca olhou direito mesmo) e ali ficou. Foram muitas horas. Incontáveis horas de conversas infindáveis, temperadas por alguns olhares vindos do grande público, que os dois não repararam.
Como o som da festa estava alto, os dois falavam perto do ouvido um do outro. Muito perto. Cada frase parecia mais com um beijo no pesoço do que com uma conversa comum. Mas não era uma conversa com alguma intenção assim... Era uma coisa mais sem querer, que aproximava. Que misturava os perfumes, que permitia que o hálito de um se misturasse à bebida do outro.
Poderia ser algo a mais. Poderia, se ele não fosse tão sério e ela tão preocupada, ou se ela não fosse tão séria e ele tão desligado. Poderia ter continuidade se fosse mais cedo, se fosse em outro lugar, se fossem duas outras pessoas. Para eles não foi nada. Nada além da descoberta de uma pessoa boa para conversar. Mas para os outros, foi muito.
Durante muito tempo ela ouviu falar daquela festa. O “bofe acompanhado” nunca conseguiu engolir o fato dela passar tanto tempo ao lado dele, respirando seu hálito, encostada em seu rosto e - segundo o próprio bofe – fazendo a platéia esperar pelo beijo. As mocinhas de plantão passaram a odiá-la escancaradamente. E foram muitos os telefonemas de amigos perguntando o que tinha acontecido ali e se “deu frutos”.
Deu...deu frutos. Já faz anos que eles são amigos. Este tipo de frutos. Há anos ela deixa escapar nas conversas algumas confidências, e ainda sente que ele invade seu “campo de força” às vezes, derrubando barreiras inimagináveis. Há anos ela finge que não sabe que ele vai invadir de novo o "campo de força" e que não percebe que só ela faz confidências e ele mantem a armadura. E, querendo ou não, toda vez que alguém pergunta quem ela acha interessante, o nome dele é um dos primeiros a querer escapar de sua boca.
Sem o perfume, a bebida e o hálito, os dois se provocam às vezes. De longe... à distância segura. Nunca mais chegaram tão perto. Nunca mais ouviram a voz um do outro próxima a boca ou ouvido. Mas ainda assim, de tempos em tempos, ele invade seu território com perguntas ainda menos discretas do que aquela conversa de rosto colado.
E assim foi... sem mais. Sem nada. Nada demais. Muitos anos passaram. Muito mais anos do que a gente costuma contar. E em todos eles ele esteve presente de uma forma ou de outra.

Não foi uma paixão, não foi uma história emocionante. Não foi algo memorável. Só uma "regular story" que ela conta tranquila.

Mas, mesmo sendo assim tão nada, ela nega, mas lembra perfeitamente do perfume misturado à sua bebida.

* o nariz dele não era tão grande.

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