"- Então, Mercedes, o que você sabe fazer?
- Depende...quando?
- Como assim quando?
- É que um dia eu sei coisas que nunca mais vou saber. Amanhã já sei outras..."
Não, não é que eu seja exatamente louca, é que as coisas mudam na minha vida de uma forma estranha. Sério! Eu sei fazer tudo e nada ao mesmo tempo, a não ser que eu precise aprender em tempo récorde alguma coisa que eu resolvi que é importante saber.
Complicado ainda? Ah...me deus...então eu vou ter que contar história.
Tudo começou quando eu nasci. Naquela época eu não sabia fazer nada e talvez isso tenha sido um pouco irritante. Eu cresci meio tonga, completamente sem agilidade para coisas de criança: eu corria mal, eu era péssima piloto de bicicleta, era atrapalhada, não andava em muro, não pulava corda decentemente, não entendia a maioria da brincadeiras, não tinha elasticidade... Então precisei me virar para saber muito muito bem as coisas que eram urgentes, como pular elástico. Campeã absoluta de pular elástico no recreio, hoje não lembro nem a sequência da coisa toda. Depois fiquei craque em subir em árvore, mas só em árvore, até que fiquei incapaz de subir num banquinho, quanto mais numa árvore.
Bom...as aulas de educação física eram uma tragédia, a não ser que fosse ginástica ritmica ou coisas relacio
nadas a dança e teatro. Então grudei na minha amiga bailarina e ninguém dizia que eu não fazia balet com ela. Aprendi coreografias que ela passava o ano ensaiando e...Bingo! Aprendi a dançar. A partir dali, sempre que tinha uma apresentação na escola, eu fazia parte da equipe que coreografava e estava sempre na primeira fila. Isto me rendeu alguns dos maiores micos da minha vida, como aprensentar uma dança sobre a Gralha Azul num congresso de educação em Fortaleza, onde eu e mais duas meninas éramos pinhões. Foi assim que desisti da dança...E continuava estabanada e desengonçada para a maioria das coisas.
Na 5a. série, eu já estava exausta de não saber matemática - a verdade é que não sei até hoje - e eu odiava aquele professor coreano que tinha um bafo terrível que eu só vim a sentir de novo quando fui a primeira vez na Rua 25 de Março. Sim, na hora do almoço aquele lugar fede a sopa de pum, que era exatamente o bafo do meu professor. Para me livrar dele, eu aprendi logarítimo. Acho que eu sabia mais do que ele. Tirei 10 em todas as provas daquele ano. Eu - a rainha do logarítimo! Pois é...mas nas férias eu já tinha esquecido tudo. O meu outro truque, já que eu não tinha capacidade de decorar as fórmulas malditas de física e matemática era calcular as coisas usando o método "MY WAY", ou seja, eu olhava para o exercício e resolvia que ia dar um jeito nele...e ia calculando ao deus dará até chegar a algum resultado. E pasme! Nem sempre estava errado, embora estivesse. O tempo que eu levava explicando o meu raciocínio para o professor era suficiente para ele resolver que eu me esforcei. Bingo outra vez!
Para compensar todas as notas horríveis de todo o meu "ginásio" e segundo grau, eu escrevia. Minhas redações eram geniais assim como os trabalhos de história, onde eu dava um banho, não da história em si, mas da minha visão dela. Pronto! Achei o jeito de passar de ano: escrever muito sempre. Como isso nunca bastava, eu aprendi a falar. Falar passou a ser o meu principal talento: "deixa que eu apresento!" Na faculdade eu trabalhava e não tinha tempo para nada, então minha equipe fazia sempre um lazarento trabalho mal escrito, com conteúdo tosco...eu chegava na faculdade, matava a primeira aula, pegava os livros que serviram de fonte para o trabalho tosco e dava uma lida. Isso já dava para eu chegar la na frente e garantir um 10. Como? Falando, elocubrando, enrolando! Neste mesmo raciocínio fiz uma prova de biologia que tinha uma pergunta só, num papel almaço. Aff... justamente a pergunta que eu não sabia responder. Básico, comecei assim: "Isso eu não sei, mas se você me perguntasse como funciona o...." e quatro páginas de blablablas a respeito....pronto; outro 10.
A conclusão é que durante a minha vida escolar descobri meus dois únicos talentos duradouros: escrever e pensar.
Mas um dia vi um desenho feito pelo meu tio Marcilio e perguntei como ele conseguia desenhar. Ele respondeu: "segura o lápis bem lá em cima e desenha." Isso já era informação suficiente para mim. Peguei papel, segurei o lápis bem lá em cima e copiei uma foto da minha mãe. Deu certo. Aprendi a desenhar e a partir daquele dia passei a desenhar bem. Durante muito tempo desenhei, pintei quadros, retratei pessoas. Tive um namorado lindo, e um dia resolvi fazer um presente para ele; fiz um quadro que misturava colagem e desenho, com o rosto dele. Não me lembro bem como era, mas lembro que a colagem era com papel vermelho, o rosto dele com crayon e ficou genial. Nunca mais desenhei. Sei la porque.
Aos 14 anos me vi sozinha de castigo dentro de um quarto onde eu teria que estud
ar três horas por dia durante as férias inteiras. Dammit! Fora eu e os livros, o quarto guardava um violão. Pronto...peguei o violão e resolvi que ia tocar. Foi difícil, fiz bolha dos dedos, não estudei nada mas consegui. Depois ficou muito difícil tirar as músicas que eu gostava, sem o menor conhecimento de nada, então eu, que já escrevia, comecei a compor. Ha! Que fácil! Não sei se as músicas eram boas, porque esqueci todas elas, mas sei que ganhei um festival no colégio, e que me divertia tocando para as minhas amigas que sabiam todas as músicas de cor. Quer saber se eu ainda toco violão? Impossível! Nem quadradinho de dó! Nada! Nem Stairway to Heaven, que o universo inteiro sabe! Ensinei meu irmão, algumas amigas, meu primo, fiquei sem violão e desaprendi completamente. Hoje aqui em casa tem dois violões e uma viola...e nada!
Eu também fiz quadros em aquarela com desenhos infantis que contavam histórias em espiral. Lindos! Lindos! Se eu encontrasse pra comprar compraria todos. E o que eu fiz? Dei um para minha filha, um para minha sobrinha, outro pra filha de uma amiga, e nunca mais fiz nenhum. Muita gente perguntou por que eu não escrevia um livro infantil assim, eu achei uma idéia bonitinha, e desaprendi a pintar com aquarela...
Quis saber sobre kabalah, sobre anjos, sobre energia, sobre fengshui, sobre o poder do pensamento...fui atrás, aprendi tudo, usei tudo o que podia, fiz terapia de regressão, hipnose, aprendi a ler Tarot, me aproveitei de cada informação, resolvendo coisas ha muito abandonadas na minha vida. Um dia, minha irmã mais velha tornou-se uma mística... mais tarde um pouco, me ligou perguntando alguma coisa e eu disse a ela que não fazia a menor idéia. "Como assim? Foi você quem me ensinou tudo o que eu sei!" Foi? Nossa...eu não sei mais nada disso.
Nesse mesmo clima de "preciso saber" aprendi inglês sozinha...só porque eu quis. O Francês que eu aprendi na escola, esqueci. Mas costurei. Muito ajustei meus próprios jeans. Já fiz enfeites de natal de matelassê com moldes próprios: papai noel, anjinho, botas, estrelas, pinheirinhos...além de fofos e recheados, eles tinham bordados e apliques. Duraram milênios. Foram feitos há 25 anos e minha mãe ainda tem alguns. Se hoje eu sentar na máquina de costura, embolo toda a linha e sequer consigo traçar uma linha reta. Esqueci!
Já pintei cerâmica, fiz vasos, pintei madeira, fiz suplats de natal, coisinhas country, já fiz pátina em móveis, já fiz blusas de tricot trabalhadézimas, já fiz cartões com colagens incríveis, já fui a melhor em cabalhota sem as mãos...já fui fotógrafa - vocês lembram!
E todas as coisas que eu sei, todas as que já fiz, todas elas vêm e vão, como se não passassem de uma necessidade momentânea. Eu aprendo rápido. Eu esqueço rápido. A única coisa que veio e nunca mais se foi, parece ser essa necessidade de escrever e pensar e especular e viver sonhando. Todo o resto é passageiro e vem preencher um espaço, quando o espaço existe.
Tocando Violão - By Zanicotti, 1974?
Fada - foto 2005
Vela - falta do que fazer 2003
Natal - idem, 2004