Se iludir menos?
Meu Jesus cristinho, como assim?
Como é que eu ordeno para o meu pobre cerebrozinho iludido: PARE DE SE ILUDIR?
Se eu fizer um balanço da vida, fora toda a realidade indispensável e inevitável, todo o resto foi pura ilusão - ou quase isso. Eu vivi 45 anos com a cabeça nas núvens e puxando todos os que me cercam para a realidade.
Sempre tive uma incrível competência para analisar a situação alheia e resolvê-la em poucas palavras, e sempre estive voando por aí no que diz respeito à minha própria vida. Eu nunca fui capaz de enxergar as pessoas que poderiam me prejudicar, mas foram incontáveis as vezes em que avisei a alguém para tomar cuidado com uma determinada pessoa. Sempre que me perguntaram por que, eu respondi a mesma coisa: "não sei, mas toma cuidado, ele/a vai te fazer mal." E eu nunca errei. Mas, céus! como eu já errei comigo mesma... Sempre na ilusão de que as pessoas mudariam, de que...imagina...uma pessoa tão legal não pode ser do mal. Sem falar nas vezes que eu menosprezei o inimigo, achando que ele JAMAIS me trairia, ou que "coitado...tão infeliz... o que custa dividir um pouco da minha felicidade com ele/a?" Credo...me dá até arrepio pensar nos nomes dessas pobres criaturas infelizes que não eram frágeis, tinham um plano e deixaram cicatrizes gigantescas em mim.
E a ilusão não para aí. Ela serve também para ver o mundo tão lindo...para o emprego perfeito...o chefe adorável...a colega e confidente de trabalho...e para sonhar.
Sonhar é o que eu passei fazendo. Desde a hora do relaxamento nas aulas de educação física na infância que qualquer 3 minutos de silêncio me levam para outro lugar. Tem sempre um diálogo incrível, uma viagem fascinante, um alguém especial que não resiste aos meus encantos, uma festa de prêmio, quem sabe um Oscar? Eu, a escritora mais fantástica do universo, a atriz mais talentosa, a personalidade do ano, a mulher que derrubou o presidente, a que emocionou multidões, a noiva mais maravilhosa, a plebéia que conquistou o príncipe, ai ai...e por aí vai.
Não tem como me transformar em outra coisa. Não tem. Sinto muito!
Se eu me iludir menos vou ter que mudar de nome, de familia, de RG, minha carteira de motorista vai ficar inválida, meu passaporte vai parecer falso, sem falar nos anos de análise para descobrir quem sou eu de verdade.
Meus momentos solitários (que nem são muitos) são preenchidos por pura ilusã. Eu lembro de uma vez há milênios - quando a Hebe só tinha feito 3 plásticas - que uma amiga chegou na minha casa e teve que me esperar tomar banho. Nós íamos sair...acho que tinha Festa de Babbete...não sei. Ela ficou na sala e viu meus papéis em cima da mesa, ao lado da máquina de escrever. Sim sim! Eu sou do tempo da máquina de escrever; foi onde eu aprendi a digitar. Já que eu ia para o banho, ela perguntou se podia ler as coisas que eu escrevia. Pois bem. Quando eu voltei, pronta, banhada, talqueada...ela me disse: "Quem é você, Me?"
Eu não entendi a pergunta, e ela explicou. Disse que eu sempre fui alegre, engraçada, faladeira, sorridente...Ela me conhecia há anos e nunca viu em mim aquela pessoa triste, que parece amar de uma maneira melancólica e morrer de saudade, estampada nas páginas e páginas de poemas que ela leu.
Naquela época eu ainda não sabia explicar que eu ando acompanhada dos sentimentos do mundo. Que meu coração dói de amor quando eu estou sozinha, de um amor por ninguém e por todos os príncipes encatados do planeta ao mesmo tempo. Que eu choro quando falo comigo mesma, e invento histórias tristes e doloridas como aquela ali embaixo (Insanity) onde existem encantos, feitiços, lágrimas e uma saudade sem fim. Mas assim que o texto se vai ou o telefone toca, eu volto a ser a mesma pessoa alegre e faladeira. Essa dor toda anda comigo desde sempre, como se eu fosse condenada a traduzir todas as dores em palavras fáceis, mesmo as dores que eu nunca vivi e as que nunca vou viver. E não dói. É uma tristeza enorme, e linda, que me faz entender melhor as pessoas, os sonhos, os sentimentos, o amor eterno, a falta de alguém...mas não é uma dor real. É pura ilusão.
E essa sou eu. Dúbia. E feliz.
Mas a frase que eu li me deu medo. Eu não sei quem eu sou, se eu não viver dessa ilusão.