Sobre envelhecer
Eu não tenho medo de envelhecer.
Na verdade não se pode ter medo do que é inevitável. Nunca entendi por que as pessoas temem a morte, ou o parto, assim como a velhice. Não seria mais óbvio ter medo de atropelamento, assalto, casamento, emprego ruim, ou outras coisas que a gente nasce sem ter idéia de que podem acontecer?
Eu tenho medo de amigo falso. Tenho medo de gente que sente raiva. Tenho medo da inveja alheia. Tenho medo de sentir dor, seja ela física ou não. Tenho medo da natureza humana, da guerra, da perda, da solidão irreversível. Mas não de envelhecer.
Na velhice o que me assusta sou eu mesma. Eu olho os velhos que conheço e acho que quero ser só um pouco como eles. Tenho medo de uma velhice melancólica. Medo de ficar chata demais, de reclamar mais do que devo, de sentir a vida esvaziar sem encontrar um sentido novo para ela.
Até aqui foi fácil. Foi fácil recomeçar mil vezes com energia e uma vida boa. Até aqui as perdas foram pequenas. Eu perdi meus avós - que não eram muito próximos de mim - alguns tios que não vejo faz tempo, um primo, alguns conhecidos. Ainda não chegou o dia de perder meus pais, meus irmãos, meus amigos mais próximos. Esta é a única morte que eu temo: a dos outros. Porque, como eu já disse, tenho medo de dor. E eu não citei a maior de todas as perdas, e nem vou citar porque a simples menção do assunto já me mata de dor. Então eu nego a possibilidade. End of story!
Quando eu era pequena, não conseguia entender porque todo velho tinha que parecer sempre curvado e com olhar triste, distante. Mas hoje, quando olho para eles, entendo. Tudo bem que um pouco de alongamento faria a curvatura dos ombros menos "eloquente", mas com alongamento e tudo, acho que o que esta curva diz é que existe um peso em estar no fim de uma caminhada. Estes ombros que carregaram uma cabeça cheia de pensamentos, desejos, planos e projetos por tanto tempo, hoje sabem que o que não se realizou vai evaporar e virar anjo no céu dos sonhos pendentes. Estes braços que carregaram filhos, flores, pacotes, presentes, mulheres, troféus, hoje sabem que muito do que se amou não pode mais ser alcançado. E talvez o olhar tão triste seja na verdade rico em lembranças, mas lembranças já um pouco distantes, que vêm junto com uma saudade enorme de pessoas que já morreram e épocas que já não existem.
Envelhecer deve ser difícil. Deve ser difícil manter a alegria. Deve ser difícil não ter por quem se apaixonar, ou manter um nível de paixão que seja razoável - que a gente não interrompa ao pensar : "Bobagem...isso não é mais possível!"
Mas olhando à minha volta, não tenho como não ter medo da velhice. Não dela, assim, no aspecto estético. Eu tenho plena consciência de que vou ser uma velha gorducha com aquela cara de "nossa, ela deve ter sido bonita", mas com todas as características de uma pessoa velha: sem colágeno, sem hormônios, sem brilho na pele. Tudo bem. O que eu não quero é a melancolia e a tristeza nos olhos. Não quero achar que sou sozinha. Não quero cobrar a presença das pessoas, fingir que estou doente para ter atenção, lamentar para mim mesma a miséria que é estar no fim. Não achar que tudo acabou quando o número de pratos na minha mesa diminuiu. Quero saber olhar a vida na tela grande e não achar que o fim é horrível, mas ter certeza de que é o final de uma estrada florida.
É assim que eu quero viver os meus últimos anos: sorrindo, contando minhas histórias, sentindo o vento no rosto, lembrando as coisas que fiz e as que quis, enxergando o caminho percorrido como uma bolha cheia de vida e, mais do que tudo, sabendo dividir a minha bolha com o resto do mundo.
E que haja dentro dela algo para deixar para a geração que virá.
Tomara!
Bom dia.
*Foto photoshopada por mim
Na verdade não se pode ter medo do que é inevitável. Nunca entendi por que as pessoas temem a morte, ou o parto, assim como a velhice. Não seria mais óbvio ter medo de atropelamento, assalto, casamento, emprego ruim, ou outras coisas que a gente nasce sem ter idéia de que podem acontecer?
Eu tenho medo de amigo falso. Tenho medo de gente que sente raiva. Tenho medo da inveja alheia. Tenho medo de sentir dor, seja ela física ou não. Tenho medo da natureza humana, da guerra, da perda, da solidão irreversível. Mas não de envelhecer.
Na velhice o que me assusta sou eu mesma. Eu olho os velhos que conheço e acho que quero ser só um pouco como eles. Tenho medo de uma velhice melancólica. Medo de ficar chata demais, de reclamar mais do que devo, de sentir a vida esvaziar sem encontrar um sentido novo para ela.
Até aqui foi fácil. Foi fácil recomeçar mil vezes com energia e uma vida boa. Até aqui as perdas foram pequenas. Eu perdi meus avós - que não eram muito próximos de mim - alguns tios que não vejo faz tempo, um primo, alguns conhecidos. Ainda não chegou o dia de perder meus pais, meus irmãos, meus amigos mais próximos. Esta é a única morte que eu temo: a dos outros. Porque, como eu já disse, tenho medo de dor. E eu não citei a maior de todas as perdas, e nem vou citar porque a simples menção do assunto já me mata de dor. Então eu nego a possibilidade. End of story!
Quando eu era pequena, não conseguia entender porque todo velho tinha que parecer sempre curvado e com olhar triste, distante. Mas hoje, quando olho para eles, entendo. Tudo bem que um pouco de alongamento faria a curvatura dos ombros menos "eloquente", mas com alongamento e tudo, acho que o que esta curva diz é que existe um peso em estar no fim de uma caminhada. Estes ombros que carregaram uma cabeça cheia de pensamentos, desejos, planos e projetos por tanto tempo, hoje sabem que o que não se realizou vai evaporar e virar anjo no céu dos sonhos pendentes. Estes braços que carregaram filhos, flores, pacotes, presentes, mulheres, troféus, hoje sabem que muito do que se amou não pode mais ser alcançado. E talvez o olhar tão triste seja na verdade rico em lembranças, mas lembranças já um pouco distantes, que vêm junto com uma saudade enorme de pessoas que já morreram e épocas que já não existem.
Envelhecer deve ser difícil. Deve ser difícil manter a alegria. Deve ser difícil não ter por quem se apaixonar, ou manter um nível de paixão que seja razoável - que a gente não interrompa ao pensar : "Bobagem...isso não é mais possível!"
Mas olhando à minha volta, não tenho como não ter medo da velhice. Não dela, assim, no aspecto estético. Eu tenho plena consciência de que vou ser uma velha gorducha com aquela cara de "nossa, ela deve ter sido bonita", mas com todas as características de uma pessoa velha: sem colágeno, sem hormônios, sem brilho na pele. Tudo bem. O que eu não quero é a melancolia e a tristeza nos olhos. Não quero achar que sou sozinha. Não quero cobrar a presença das pessoas, fingir que estou doente para ter atenção, lamentar para mim mesma a miséria que é estar no fim. Não achar que tudo acabou quando o número de pratos na minha mesa diminuiu. Quero saber olhar a vida na tela grande e não achar que o fim é horrível, mas ter certeza de que é o final de uma estrada florida.
É assim que eu quero viver os meus últimos anos: sorrindo, contando minhas histórias, sentindo o vento no rosto, lembrando as coisas que fiz e as que quis, enxergando o caminho percorrido como uma bolha cheia de vida e, mais do que tudo, sabendo dividir a minha bolha com o resto do mundo.
E que haja dentro dela algo para deixar para a geração que virá.
Tomara!
Bom dia.
*Foto photoshopada por mim
6 Comentários:
engraçado, ...publiquei hoje (no flickr) uma foto exatamente com esse título!!! ...é a imagem de uma mulher no dia de seu aniversário de 64 anos
...e cada vez mais acredito no poder transformador das coincidências!!!
Descobri seu blog totalmente por acaso, adorei. Vi as proibições, coloquei o link no meu blog, isso pode... Ou não?
Obrigado por proporcionar bom momentos com seus textos.
merci famooooooooooooooosa!
Eu acho que você pode envelhecer tranquila!
Pois é...
Não deveríamos temer a velhice, a morte, as rugas, enfim, medo do que é inevitável. Medo está associado também à sentimentos de fracaso. E, convenhamos, adquirir cabelos brancos e pés de galinha não deveria ser sinônimo de game over.(risos)
É claro que não seria nada mal chegar aos sessenta com uma carinha de vinte, ou seria meio patético esse lance de "Highlander"?!?!?
"Não há cura para o nascer e o morrer, a não ser saborear o intervalo"
Aproveitemos então esse inervalo chamado VIDA...
Grande abraço!
eu estarei lá, se você deixar, servindo sua sopa e ouvindo suas histórias e dando risada de vez em quando... dando bronca nos filhos do diogo e sendo intrometida.
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