Frágil
A terça-feira de carnaval começou preguiçosa com café na cama. Já era tarde para um dia comum. Cedo para um feriado. O céu todo indeciso, sem saber se traria sol ou chuva pela porta recém-aberta para o jardim. Eu olho no celular: quinze para o meio dia. Sanduíche quente de cottage e peito de peru, café forte e cheiroso, preguiça mortal.
Meu cozinheiro de feriado desiste de estar vivo e volta para a cama. Eu pego um livro e vou ler no sofá. Dia preguiçoso. Preguiça de ligar a TV, pensar em almoço, ligar para alguém.
Às duas da tarde a casa inteira finalmente termina de acordar e decide encarar o que precisa ser encarado. Protestos. Na noite de ontem eu jurei como Scarlet O'Hara: "Amanhã, vagabundearei solenemente. Ninguém me tira daqui!"
Não é bem assim que funciona.
Semana de check up familiar. Todos no médico. Todos com pilhas de requisições de exame pedindo para serem usadas. Um tinha um M.A.P.A. para devolver no hospital, às quatro da tarde, depois de ter a pressão arterial registrada a cada vinte minutos durante 24 horas.
O que não tem remédio remediado está. Todo mundo se arrumando para almoçar fora e ir até o hospital na sequência. Mais protestos. "Isso não é dia de sair de casa!"
Pois bem. Almocemos.
No meio do almoço, minha filha se queixa de uma dor estranha nos olhos. Dois minutos depois a dor virou uma dor de cabeça súbita e inexplicável. O que eu achei que resolveria com um tylenolzinho, virou um terror. Vinte minutos depois, estávamos entrando no Hospital Albert Einstein no Morumbi, não mais com um aparelho de pressão para entregar; mas com uma menina pálida, chorando, sem cor nos lábios e quase sem conseguir andar. Mais dez minutos e ela estava no soro, tomando medicamento intra-venozo para aliviar a dor que já doía mais em mim do que nela. Foi o tempo de o Cláudio chegar ao quarto andar do Hospital, e eu já estava com ela medicada na emergência, gemendo, com dois médicos e um enfermeiro à sua volta.
Mais cinco minutos e ela me diz que está pior e quer vomitar. Pronto! Quem já teve filhos, quem já estudou um pouco sobre problemas neurológicos, quem já teve um amigo com tumor no cérebro, pode imaginar todas as voltas que a minha cabeça deu, por onde andou, e os dez filmes de terror que eu assisti em segundos. Pânico!
A médica me diz que vai esperar o medicamento fazer efeito e ela estar em jejum para fazer uma tomografia craniana e logo depois o neurologista estaria conosco. E os filmes na minha cabeça ficando mais e mais pesados.
Um pouco de Dramin na veia e ela adormece parecendo mais tranquila. O quarto escuro, ela deitada ali tão pálida e eu tentando não deixar que o chão saia de debaixo dos meus pés.
Muito pouco tempo depois ela volta a gemer, reclama de muita dor. O médico prescreve um anti-inflamatório, o enfermeiro vem adiministrar. O tempo não passa. A cor dela não volta. Onde foi parar o vermelho dos lábios. Eu quero de volta o vermelho dos lábios!
Hora da tomografia e eu tentando olhar para a cara do meu marido de uma forma que o tranquilize. Meu olhar tenta dizer: "Calma...vai ficar tudo bem." Mas eu percebo que o olhar dele é tão falso quanto o meu, tentando me dizer a mesma coisa; e nós dois ali querendo dizer ao outro: "Eu sou forte. Pode se apoiar aqui."
Mas a verdade é que a vida é frágil e as certezas também. Ser forte é muito fácil quando se tem controle da situação, quando a vida não está mexendo nos seus tesouros, quando o mundo não quer desabar sobre a sua cabeça. Durante as quatro horas mais longas da minha vida eu fiz cara de forte, mas por dentro estava dilacerada, pequena, frágil, fraca, arrasada. A vontade que eu tinha era de deitar ao lado dela e dizer para a dor mudar de corpo. "Deixa que eu sinto tudo isso pra você."
Quando o enferemeiro veio colocar o soro e perguntou se ela tinha medo de agulha, a resposta me cortou o coração: "Não. Eu tenho medo de dor."
E aí, isso não corta qualquer coracão. Só o coração de quem conhece bem essa menina. Ela é mimada, manhosa, dramática; faz drama pra tomar comprimido, faz drama para tudo, não deixa tirar um band-aid. Mas a dor era tamanha, que ela praticamente pediu ao enfermeiro para enfiar de uma vez alguma agulha para que o remédio pudesse fazer efeito logo. Corta sim. Corta o meu coração.
Meu coração fica estraçalhado sempre que as lágrimas de um filho são de dor. Já quis tanto estar no lugar do Diogo, naquela época que a gente não sabia o que ele tinha e ele passava mal vinte e quatro horas por dia durante mais de três meses. Perdi o sono sempre que esperei o resultado de um exame pelas enxaquecas dele ou as outras coisas que , graças a deus , já têm solução. E agora, por poucas horas, todos os meus pesadelos voltaram, mudando só o personagem. No final das contas, não se descobriu nada. Ela está bem e em casa. A tomografia não deu nada. Não se sabe o que causou a dor súbita, vamos ter que continuar pesquisando e lá vamos nós de novo....mas pelo menos não era nenhuma das coisas horríveis que eu (e a médica) pensei.
De todas as certezas da vida, frágeis ou não, existe uma inegável: Quando um filho nasce, você consegue vê-lo crescer, imagina seu futuro, faz planos, sabe o que quer para ele, conhece os caminhos a serem percorridos para dar a ele todas as ferramentas necessárias para ser uma pessoa completa, inteira, feliz. A única coisa impossível de se imaginar é perdê-lo.
Hoje, diferente de sempre, estou pequena, consciênte da minha impotência e assustada. Apesar de tranquila com o resultado.
Meu cozinheiro de feriado desiste de estar vivo e volta para a cama. Eu pego um livro e vou ler no sofá. Dia preguiçoso. Preguiça de ligar a TV, pensar em almoço, ligar para alguém.
Às duas da tarde a casa inteira finalmente termina de acordar e decide encarar o que precisa ser encarado. Protestos. Na noite de ontem eu jurei como Scarlet O'Hara: "Amanhã, vagabundearei solenemente. Ninguém me tira daqui!"
Não é bem assim que funciona.
Semana de check up familiar. Todos no médico. Todos com pilhas de requisições de exame pedindo para serem usadas. Um tinha um M.A.P.A. para devolver no hospital, às quatro da tarde, depois de ter a pressão arterial registrada a cada vinte minutos durante 24 horas.
O que não tem remédio remediado está. Todo mundo se arrumando para almoçar fora e ir até o hospital na sequência. Mais protestos. "Isso não é dia de sair de casa!"
Pois bem. Almocemos.
No meio do almoço, minha filha se queixa de uma dor estranha nos olhos. Dois minutos depois a dor virou uma dor de cabeça súbita e inexplicável. O que eu achei que resolveria com um tylenolzinho, virou um terror. Vinte minutos depois, estávamos entrando no Hospital Albert Einstein no Morumbi, não mais com um aparelho de pressão para entregar; mas com uma menina pálida, chorando, sem cor nos lábios e quase sem conseguir andar. Mais dez minutos e ela estava no soro, tomando medicamento intra-venozo para aliviar a dor que já doía mais em mim do que nela. Foi o tempo de o Cláudio chegar ao quarto andar do Hospital, e eu já estava com ela medicada na emergência, gemendo, com dois médicos e um enfermeiro à sua volta.
Mais cinco minutos e ela me diz que está pior e quer vomitar. Pronto! Quem já teve filhos, quem já estudou um pouco sobre problemas neurológicos, quem já teve um amigo com tumor no cérebro, pode imaginar todas as voltas que a minha cabeça deu, por onde andou, e os dez filmes de terror que eu assisti em segundos. Pânico!
A médica me diz que vai esperar o medicamento fazer efeito e ela estar em jejum para fazer uma tomografia craniana e logo depois o neurologista estaria conosco. E os filmes na minha cabeça ficando mais e mais pesados.
Um pouco de Dramin na veia e ela adormece parecendo mais tranquila. O quarto escuro, ela deitada ali tão pálida e eu tentando não deixar que o chão saia de debaixo dos meus pés.
Muito pouco tempo depois ela volta a gemer, reclama de muita dor. O médico prescreve um anti-inflamatório, o enfermeiro vem adiministrar. O tempo não passa. A cor dela não volta. Onde foi parar o vermelho dos lábios. Eu quero de volta o vermelho dos lábios!
Hora da tomografia e eu tentando olhar para a cara do meu marido de uma forma que o tranquilize. Meu olhar tenta dizer: "Calma...vai ficar tudo bem." Mas eu percebo que o olhar dele é tão falso quanto o meu, tentando me dizer a mesma coisa; e nós dois ali querendo dizer ao outro: "Eu sou forte. Pode se apoiar aqui."
Mas a verdade é que a vida é frágil e as certezas também. Ser forte é muito fácil quando se tem controle da situação, quando a vida não está mexendo nos seus tesouros, quando o mundo não quer desabar sobre a sua cabeça. Durante as quatro horas mais longas da minha vida eu fiz cara de forte, mas por dentro estava dilacerada, pequena, frágil, fraca, arrasada. A vontade que eu tinha era de deitar ao lado dela e dizer para a dor mudar de corpo. "Deixa que eu sinto tudo isso pra você."
Quando o enferemeiro veio colocar o soro e perguntou se ela tinha medo de agulha, a resposta me cortou o coração: "Não. Eu tenho medo de dor."
E aí, isso não corta qualquer coracão. Só o coração de quem conhece bem essa menina. Ela é mimada, manhosa, dramática; faz drama pra tomar comprimido, faz drama para tudo, não deixa tirar um band-aid. Mas a dor era tamanha, que ela praticamente pediu ao enfermeiro para enfiar de uma vez alguma agulha para que o remédio pudesse fazer efeito logo. Corta sim. Corta o meu coração.
Meu coração fica estraçalhado sempre que as lágrimas de um filho são de dor. Já quis tanto estar no lugar do Diogo, naquela época que a gente não sabia o que ele tinha e ele passava mal vinte e quatro horas por dia durante mais de três meses. Perdi o sono sempre que esperei o resultado de um exame pelas enxaquecas dele ou as outras coisas que , graças a deus , já têm solução. E agora, por poucas horas, todos os meus pesadelos voltaram, mudando só o personagem. No final das contas, não se descobriu nada. Ela está bem e em casa. A tomografia não deu nada. Não se sabe o que causou a dor súbita, vamos ter que continuar pesquisando e lá vamos nós de novo....mas pelo menos não era nenhuma das coisas horríveis que eu (e a médica) pensei.
De todas as certezas da vida, frágeis ou não, existe uma inegável: Quando um filho nasce, você consegue vê-lo crescer, imagina seu futuro, faz planos, sabe o que quer para ele, conhece os caminhos a serem percorridos para dar a ele todas as ferramentas necessárias para ser uma pessoa completa, inteira, feliz. A única coisa impossível de se imaginar é perdê-lo.
Hoje, diferente de sempre, estou pequena, consciênte da minha impotência e assustada. Apesar de tranquila com o resultado.
4 Comentários:
deus do céu!
juro que queria poder dizer a você que te entendo (ate porque entendo sim, e sei da sensação que você acabou de descrever...) e que gostaria de estar aí pra te dar um abraço muito forte, pra você saber
que por você poder aguentar o que passa na sua vida é porque você realmente AGUENTA tudo e vai sair de tudo isso muito bem. Você e os amores da sua vida...
hoje de manha vindo para o trabalho estava ouvindo venice queen e pensei em vir no seu blog pra colocar uma parte da musica como comentario pra vc
e dai cheguei aqui e li isso...
bom, vou fazer o que vim pra fazer:
your stylish mess of silver hair,
A WOMAN OF YOUR KIND IS RARE,
your uniform returns to air
G.L.O.R.I.A is love...
my friend...
(G-L-O-R-I-A could easily be M-E-R-C-E-D-E-S)...
beijos e boom, um muito bom dia.
...COMO ASSIMMM???!!!...
mêêêêê... espero que já esteja tudo bem com a natasha!!!
porra que susto!!!
"nam-myoho-rengue-kyo"
beijos
p.s. não tenho mais seu número (desde 'o fim' do meu celu antigo humpf!!!) então, mande um sinal no novo 8636 0503, ok?
Menina que loucura é essa????
Não fiquei sabendo!!
A impotência diante de algumas situações me deixa maluca!!Nessas horas a gente aprende a perder o medo de muitas coisas e tudo fica tão pequenino...tão sem importancia!
Espero que ela esteja bem agora.
Beijo pras duas!!!
Puxa, vida... mãe realmentye é uma "profissão perigo"... há momentos que a vida inteira passa diante dos nossos olhos como pequenos flashs.
Espero que esteja tudo bem e que vocês descubram o mal que aflige...
Bjocas
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