Medo
Está ventando lá fora nesse país inteiro tomado pela água.
Barreiras estão caindo, morros desabando, quanto mais pobres as pessoas, mais água entra arrasando o pouco que elas têm. O vento me dá medo da chuva porque me lembra o dia que a tsunami entrou pela porta da garagem arrastando quase tudo e a mim mesma.
Vai chegando o verão, as tempestades de fim de tarde em dias lindos, e meu coração já não responde mais com alegria aos raios e trovões.
Fui uma criança sem medo que abria a janela pra ver a tempestade.
Todas as vezes que a chuva caiu com violência, raios, trovões, barulho, granizo, eu abri a janela e molhei meu rosto. Chuva e prazer andaram juntos pela minha existência. Mas já não é mais assim.
Me entristeço quando vejo na TV uma pessoa desesperada com sua casa cheia de lama tentando salvar o pouco que tinha. Me entristecia antes, claro. Mas agora é diferente. Dói no estômago uma dor que vai além da solidariedade: eu sei o que aquela pessoa está sentindo.
E vou contar o que ninguém imagina: numa hora assim, não se chora pelo que se perdeu. Se chora pelo que se podia ter perdido. A sensação de impotência é milhares de vezes maior do que qualquer sentimento material. Quando tudo acaba e a sua casa está acabada também, você olha para a família à sua volta e entende o que poderia ter perdido, o que poderia ter sido tão infinitamente pior e mais dolorido.
Às vezes fico lembrando detalhes:
A luz não acabou. Ao contrário, ficou acesa todo o tempo. A caixa de luz na área de serviço ficou coberta pela água até a metade, e aberta. Até me baixar o Hulk e eu tirar o Claudio a força de dentro d'água, ele correu o risco de ser eletricutado. Eu também quando arranquei ele de lá. Parece que, no desespero, ele achava que ainda podia salvar alguma coisa e queria abrir a porta dos fundos, queria desligar a máquina de lavar, queria tentar fazer alguma coisa que já não resolveria nada debaixo de 1,60 de água. Quando escutei as palavras "TIRAR DA TOMADA", não pensei...agarrei o Claudio pela camisa, gritei "CHEGA!" e puxei ele para o alto da escada. Sei lá que força é essa que toma conta de mim na hora que é preciso...
Podia ter sido tão pior: ele podia estar vendo filme lá embaixo...e ter ficado preso dentro da sala. Eu pedi pra minha filha descer para pegar um balde. A porta poderia ter estourado nessa hora, e a água subiu tão rápido que eu não sei se ela conseguiria sair de lá. Não sei se eu entenderia o barulho da água a tempo de fazer alguma coisa para ajudá-la.
Muita coisa podia ter acontecido...como pensar no carro, no sofá, no sistema de som, na tela de alta definição, no tapete, nas máquinas da lavanderia em tudo o que estava no andar de baixo, na quantidade enorme de roupas que estavam para passar? Nunca me importou na verdade as coisas que a gente perdeu - nem as que o seguro pagou (os carros) nem as que não pagou (todo o resto). Eu escrevi aquele dia, e repito agora...foi a primeira vez que eu compreendi o sentido real do ditado aquele: "vão-se os anéis, ficam os dedos". Os dedos...os dedos eram só o que me importava. Todo o resto eram coisas, e eu aprendi muito cedo que caixão não tem gaveta. Cada vez mais me convenço de que a vida só é tão boa para mim porque eu não tenho apego algum. Se algum dia na vida eu tivesse chorado por dinheiro, ou desejado demais ter alguma coisa que outra pessoa tinha, ou não me conformado por ser menos ou ter menos que alguém outro, acho que a vida trataria de ser mais dura comigo, pra me ensinar alguma coisa útil.
Só eu sei de quantas "coisas" abri mão na vida. Quantas vezes disse não a "dinheiros" que levaríam embora a minha dignidade ou a minha paz de espírito. Quantas vezes joguei para o ar tudo o que eu poderia vir a ter, por uma vida digna...pela liberdade de ser quem eu sou...pela simples idéia de não dever nada pra ninguém. Deixei de ser rica muitas vezes. Abri mão de uma herança que seria minha por direito, mas que eu não queria, por achar que não...não seria direito! Quase apanhei de muita gente no dia que assinei os papéis abrindo mão da herança...mas realmente eu não sentia que aquilo fosse meu. Eu não quero nada que não seja meu. Muitas vezes fui chamada de burra por isso. Mas como é bom ser burra de consciência limpa. Não que isso adiante alguma coisa...muitas vezes escutei insinuações de que eu seria capaz de estar com alguém por interesse. Hahha! Essas pessoas tinham que olhar as coisas mais de perto e saber quem eram esses "grandes homens" quando eu os encontrei! Mas esse é outro assunto, meus amiguinhos...voltemos à chuva.
Tenho medo da chuva. E morro de tristeza por isso. Tenho lembranças lindas de banhos de chuva memoráveis na infância. Tempestades lindas servindo de fundo para romances ainda mais lindos...e não sobrou nada. Agora, quando o tempo fecha, fecho a minha testa preocupada...não sei mais ser feliz quando chove. E a pior parte é que a minha filha tem um grande pavor de tempestades. É muito difícil tirar da cabeça dela a imagem terrível da água arrebentando a porta e entrando com aquela violência toda, trazendo lama, pedaços de árvores, fazendo ondas e carregando coisas pesadas como se fossem caixas de fósforo.
Tenho medo do verão. Não consigo mais ficar em paz...quero a primavera de volta.
Rezando para não chover...
Bom dia
Barreiras estão caindo, morros desabando, quanto mais pobres as pessoas, mais água entra arrasando o pouco que elas têm. O vento me dá medo da chuva porque me lembra o dia que a tsunami entrou pela porta da garagem arrastando quase tudo e a mim mesma.
Vai chegando o verão, as tempestades de fim de tarde em dias lindos, e meu coração já não responde mais com alegria aos raios e trovões.
Fui uma criança sem medo que abria a janela pra ver a tempestade.
Todas as vezes que a chuva caiu com violência, raios, trovões, barulho, granizo, eu abri a janela e molhei meu rosto. Chuva e prazer andaram juntos pela minha existência. Mas já não é mais assim.
Me entristeço quando vejo na TV uma pessoa desesperada com sua casa cheia de lama tentando salvar o pouco que tinha. Me entristecia antes, claro. Mas agora é diferente. Dói no estômago uma dor que vai além da solidariedade: eu sei o que aquela pessoa está sentindo.
E vou contar o que ninguém imagina: numa hora assim, não se chora pelo que se perdeu. Se chora pelo que se podia ter perdido. A sensação de impotência é milhares de vezes maior do que qualquer sentimento material. Quando tudo acaba e a sua casa está acabada também, você olha para a família à sua volta e entende o que poderia ter perdido, o que poderia ter sido tão infinitamente pior e mais dolorido.
Às vezes fico lembrando detalhes:
A luz não acabou. Ao contrário, ficou acesa todo o tempo. A caixa de luz na área de serviço ficou coberta pela água até a metade, e aberta. Até me baixar o Hulk e eu tirar o Claudio a força de dentro d'água, ele correu o risco de ser eletricutado. Eu também quando arranquei ele de lá. Parece que, no desespero, ele achava que ainda podia salvar alguma coisa e queria abrir a porta dos fundos, queria desligar a máquina de lavar, queria tentar fazer alguma coisa que já não resolveria nada debaixo de 1,60 de água. Quando escutei as palavras "TIRAR DA TOMADA", não pensei...agarrei o Claudio pela camisa, gritei "CHEGA!" e puxei ele para o alto da escada. Sei lá que força é essa que toma conta de mim na hora que é preciso...
Podia ter sido tão pior: ele podia estar vendo filme lá embaixo...e ter ficado preso dentro da sala. Eu pedi pra minha filha descer para pegar um balde. A porta poderia ter estourado nessa hora, e a água subiu tão rápido que eu não sei se ela conseguiria sair de lá. Não sei se eu entenderia o barulho da água a tempo de fazer alguma coisa para ajudá-la.
Muita coisa podia ter acontecido...como pensar no carro, no sofá, no sistema de som, na tela de alta definição, no tapete, nas máquinas da lavanderia em tudo o que estava no andar de baixo, na quantidade enorme de roupas que estavam para passar? Nunca me importou na verdade as coisas que a gente perdeu - nem as que o seguro pagou (os carros) nem as que não pagou (todo o resto). Eu escrevi aquele dia, e repito agora...foi a primeira vez que eu compreendi o sentido real do ditado aquele: "vão-se os anéis, ficam os dedos". Os dedos...os dedos eram só o que me importava. Todo o resto eram coisas, e eu aprendi muito cedo que caixão não tem gaveta. Cada vez mais me convenço de que a vida só é tão boa para mim porque eu não tenho apego algum. Se algum dia na vida eu tivesse chorado por dinheiro, ou desejado demais ter alguma coisa que outra pessoa tinha, ou não me conformado por ser menos ou ter menos que alguém outro, acho que a vida trataria de ser mais dura comigo, pra me ensinar alguma coisa útil.
Só eu sei de quantas "coisas" abri mão na vida. Quantas vezes disse não a "dinheiros" que levaríam embora a minha dignidade ou a minha paz de espírito. Quantas vezes joguei para o ar tudo o que eu poderia vir a ter, por uma vida digna...pela liberdade de ser quem eu sou...pela simples idéia de não dever nada pra ninguém. Deixei de ser rica muitas vezes. Abri mão de uma herança que seria minha por direito, mas que eu não queria, por achar que não...não seria direito! Quase apanhei de muita gente no dia que assinei os papéis abrindo mão da herança...mas realmente eu não sentia que aquilo fosse meu. Eu não quero nada que não seja meu. Muitas vezes fui chamada de burra por isso. Mas como é bom ser burra de consciência limpa. Não que isso adiante alguma coisa...muitas vezes escutei insinuações de que eu seria capaz de estar com alguém por interesse. Hahha! Essas pessoas tinham que olhar as coisas mais de perto e saber quem eram esses "grandes homens" quando eu os encontrei! Mas esse é outro assunto, meus amiguinhos...voltemos à chuva.
Tenho medo da chuva. E morro de tristeza por isso. Tenho lembranças lindas de banhos de chuva memoráveis na infância. Tempestades lindas servindo de fundo para romances ainda mais lindos...e não sobrou nada. Agora, quando o tempo fecha, fecho a minha testa preocupada...não sei mais ser feliz quando chove. E a pior parte é que a minha filha tem um grande pavor de tempestades. É muito difícil tirar da cabeça dela a imagem terrível da água arrebentando a porta e entrando com aquela violência toda, trazendo lama, pedaços de árvores, fazendo ondas e carregando coisas pesadas como se fossem caixas de fósforo.
Tenho medo do verão. Não consigo mais ficar em paz...quero a primavera de volta.
Rezando para não chover...
Bom dia
9 Comentários:
TEstando essa caca pra saber por que os meus amigos não conseguem postar...
Eu tô aqui, e tô postando.
E sempre tive medo de chuva forte...
bj
ms h as in heart! (L)
ca-ra-lho.
Eu detesto o verão!!!Não sei se é pq minha pressão cai e fico feito um balão, ou se é pelas tempestades que sempre tive muito medo.
também tive vontade de dizer o que alguém ai no alto já disse, e tambem como dizia o velho fonseca: Ô, caraio!.
mercedes,também tenho medo.
do raio.
do vento.
do silêncio.
o medo me deixa mudo.
o medo me deixa com medo de tudo.
fique bem.
deixe o verão passar.
e como dizia o polaco poeta:
que tudo passe.
e que passe muito bem.
beijos. buffo.
well, acho que agora consigo postar o comentário mas... vou retirar as perguntas que vc já respondeu heheh
...e lá veio esse tal do eugênio querendo ser eu again AHAHAHA ...que será isso??? AHAHAHAH
lucky the family with a bruce banner
(agora vc lembra né? hehehe) amongst
the relatives, ALWAYS ready to save them!!!
beijos
m.
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Bruce Banner rocks! I just think he's a little ugly when he gets green. Anyway, his soundtrack used to be beautiful. Do you remember?
Me
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